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ISSN :2764-5304

Coeficiente de Segurança e Fator de Carga: Qual a Diferença?

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Se você é um leitor interessado em aprofundar seus conhecimentos sobre a indústria aeronáutica, este artigo foi feito sob medida para você.

Autor: Sergio da Silva Kucera.

https://www.linkedin.com/in/engenheiro-sergio-da-silva-kucera/

1. Introdução

Há um tempo venho pensando em escrever aqui o meu 1º artigo. Mas não vislumbrava um tema realmente instigante. Até ver a postagem abaixo. Daí decidi falar sobre o tema, mas do ponto de vista da aeronave. Mais especificamente, sobre coeficiente de segurança e fator de carga, que não são diferenciados corretamente por quem inicia o envolvimento com a aviação.

Link da postagem: https://www.linkedin.com/posts/joselitohenriques_innovation-technology-inovaaexaeto-activity-7047168088680673281-AVqk?utm_source=share&utm_medium=member_desktop.

2. Definições e Relacionamentos Fundamentais

Conceitualmente, coeficiente de segurança está relacionado às incertezas quanto ao valor da tensão máxima a que pode ser submetido o material, devido às variações existentes nos processos até chegar à forma do componente solicitado. Para tanto, o seu projeto considera uma tensão admissível, S vezes menor do que a máxima de referência, conforme Equação 1. Portanto, tem um enfoque excludente. Para os metais dúcteis, a tensão limite é a de escoamento; para os compósitos existem critérios de falha específicos.

No projeto de aeronaves, é comum S= 1,5 [1], pelo peso estrutural e custo associado (materiais, fabricação, operação) [2]. Por outro lado, os autores citam que a fabricação e manutenção de aeronaves seguem rígidos controles de qualidade, que permitem adoção de baixos fatores de segurança. Além disso, as filosofias de projeto evoluíram ao longo do tempo e permitem que as aeronaves de hoje sejam tão seguras [3].


Por outro lado, fator de carga está relacionado à majoração das cargas estáticas a que determinada estrutura da aeronave está submetida, devido efeitos dinâmicos. Tem, portanto, um caráter inclusivo, no sentido do seu projeto prever sua integridade estrutural quando submetida a tais carregamentos, que podem ocorrer de modo intencional ou não, na sua operação. No caso de cargas dinâmicas de voo, o fator de carga (n) é definido como a razão entre a força de sustentação (L) e o peso da aeronave (W, normalmente referido ao MTOW – máximo peso de decolagem, da sigla em inglês), conforme Equação 2. Em outras palavras, ele indica quantas vezes L é maior do que W. Como a massa não muda, n é um múltiplo da aceleração da gravidade, g.

Em um voo normal, n é positivo; se for invertido, negativo. A Tabela 1 apresenta limites típicos do fator de carga n para diferentes aplicações/tipos de aeronaves.

Fonte; adaptado de [4]

No caso de aviões das competições AeroDesign, normalmente são usados valores de n limite+ entre 2 e 2,5 e não são consideradas cargas negativas.

No projeto de uma aeronave, n limite implica na tensão no componente estrutural considerado chegar ao valor admissível. Portanto, sua integridade está garantida e qualquer deformação não será permanente e nem interferirá em uma operação segura. Mas pode haver necessidade do piloto precisar executar uma manobra evasiva ou de emergência que exija um fator de carga maior. Neste caso, poderá haver dano estrutural em algum componente [5]. Em aviões militares, por exemplo, pode-se perceber, quando no solo, parte do revestimento das asas ondulada após situações em que o piloto “puxou gs” demais. 

Entretanto, só quando a manobra exigir fator de carga igual ou maior ao n último (Equação 3), a estrutura primária da aeronave estará em risco de colapso [5]. Mesmo assim, deve ser capaz de suportar os esforços nessa condição por pelo menos 3 s [1].

3. ORIGEM DO EFEITO DINÂMICO

Em um voo reto e nivelado, a força de sustentação é igual ao peso da aeronave e o fator de carga é unitário. Com valor menor não é possível voo. Entretanto, quando ocorre em trajetória curva, a força centrípeta necessária deve ser dada pelo excesso de sustentação em relação ao peso, tornando n maior do que 1. A Figura 1 ilustra 2 situações comuns em que o fato ocorre: curva horizontal nivelada e arremetida ou recuperação de mergulho.

Fonte: [6]

Pela Figura 1a e a Equação 2 pode-se facilmente chegar à Equação 4. Alguma vez já se perguntaste por que aviões comerciais só executam curvas de até cerca de 30º de inclinação?!

Observa-se, pela Equação 5, que quanto maior a força centrípeta FC – e portanto, L e n – maior a velocidade V com que uma aeronave de massa m pode realizar um voo em trajetória curva de raio R ou menor R necessário a uma dada V. A capacidade de executar curvas apertadas, ou em alta velocidade é especialmente relevante em aeronaves militares.

A força de sustentação L depende da densidade do ar, rô, da sua velocidade, do coeficiente de sustentação da superfície aerodinâmica (capacidade de gerá-la a partir do fluxo que a contorna), CL, referido a sua área projetada ou em planta, A, conforme Equação 6.

Em condições normais, os únicos parâmetros a que o piloto tem controle são V e CL. Para o objetivo deste artigo, esse coeficiente depende só do ângulo de ataque (alfa) entre a superfície aerodinâmica (definido por parâmetros geométricos específicos) e a direção do escoamento. A sustentação cresce com o aumento de alfa até um máximo (CLmáx) e depois se reduz. A partir deste ponto diz-se que a superfície está estolada (perdeu capacidade de gerar sustentação) e só é possível aumentar n pelo aumento de V.

4. ENVELOPE DE VOO

Visando compreender melhor as considerações anteriores, as informações de fator de carga x velocidade de uma aeronave são apresentadas em um diagrama, referido a dada altitude de voo. Pode ser de manobra, de rajada (variação abrupta e repentina na direção e ou velocidade do fluxo de ar, implicando na variação de CL e, portanto, de n) ou combinado (incluindo ambos os efeitos).

A definição dos fatores de carga de rajada segue procedimento de cálculo específico [1]. Entretanto, a regulamentação FAR Part-25 não exige mais o diagrama V x n de rajada e sim uma análise dinâmica [7]. Por tais motivos, optei por não abordar rajadas aqui. Mas sim mostrar um diagrama combinado, como exemplo. A Figura 2 corresponde ao de um modelo específico de avião acrobático. As linhas traço-ponto-traço se referem aos efeitos de rajada. Ressalto que os correspondentes fatores de carga só ficaram na região interna do diagrama (voo seguro) devido aos altos valores dos de manobra (6 e -3).

Fonte: [7]

As velocidades características ou estruturais da aeronave são definidas a seguir:

VSO: velocidade de estol em configuração limpa / sem flap (menor velocidade em que a sustentação pode ser igual ao peso, devido ao CLmáx);

VSOF: … de estol com flap (dispositivo para aumento da sustentação em pousos e decolagens. Por isso o detalhe à esquerda do diagrama);

VSF: … de estol com aeronave limpa, mas em posição invertida;

VA: … de manobra (máxima em que o piloto pode defletir totalmente os comandos, em uma só vez e em um sentido, sem movimentos oscilatórios [7]);

VC: … de cruzeiro (máxima usada durante operação normal de deslocamento);

VD: … de mergulho (máxima que a aeronave pode alcançar em mergulho em um ângulo específico, dependente do seu tipo [5]).


Tais velocidades são explicitadas no manual da aeronave e, eventualmente, nos instrumentos de voo [5], pois são fundamentais a sua operação segura.


A região acima das linhas de CLmáx (VSO-VA e a de VSOF) corresponde ao estol. A entre a linha VA-VD e n último+ = 9 (para S=1,5) implica em voo com possibilidade de dano estrutural localizado. Acima dessa região, a estrutura primária pode sofrer colapso. O mesmo raciocínio se aplica à metade inferior do diagrama, considerando n último- = 4,5.


À direita da linha vertical VD o fator de carga não exerce necessariamente influência na integridade estrutural. O risco principal nesta região édevido à pressão dinâmica (termo entre parênteses na Equação 6), que pode ser alta o suficiente para causar efeitos aeroelásticos. Pela flexibilidade das estruturas, as cargas implicam em deformações que geram variações nas forças aerodinâmi-cas que, então, causam outro tipo de deformação, e assim sucessivamente. Por vezes de natureza oscilatória. Essa instabilidade pode se realimentar até ocorrer a falha estrutural [8].

5. CONCLUSÃO
Acho que foi bastante válido e proveitoso escrever este meu artigo. Apesar de ser um assunto com que tenho afinidade, buscar e selecionar referências, rever e escrever sobre ele contribuíram para consolidar seu entendimento. Mesmo que nos detalhes.
Porém, o maior desafio foi escrevê-lo com a base técnica que o assunto exige, mas com uma linguagem que permita sua compreensão mesmo por pessoas não familiarizadas a ele. Particularmente, acho que atingi o objetivo de forma bem satisfatória.
E tu, que acabou de ler o artigo, ficou clara a diferença entre coeficiente de segurança e fator de carga e suas implicações? Curta, comente, critique (críticas construtivas sempre são bem vindas)!

REFERÊNCIAS

FEDERAL AVIATION ADMINISTRATION / FAR-Part 23 Airworthiness Standards: Normal, Utility, Acrobatic and Commuter Category Airplanes. U.S.A, 2002.

BURR, A.H.; CHEATHAM, J.B. Mechanical Analysis and Design. 2.ed. Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1995.

MARTINS, R. Dimensionamento de Estruturas Aeronáuticas. [S.l.]: Portal Engenharia Aeronáutica, [ca. 2020].

RAYMER, D.P. Aircraft Design: A Conceptual Approach. Washington: AIAA, 1992.

TORENBEEK, E.; WITTENBERG, H. Flight Physics: Essentials of Aeronautical Disciplines and Technology, with Historical Notes. New York: Springer, 2009.

ANDERSON Jr., J.D. Fundamentos de Engenharia Aeronáutica: introdução ao voo. trad.: Francisco A. Costa; rev. téc.: Carlos F. R. Mateus. 7.ed. Porto Alegre: AMGH, 2015.

ISCOLD, P.H. Introdução às Cargas nas Aeronaves. Belo Horizonte: UFMG, 2006.

BISPLINGHOFF, R.L.; ASHLEY, H.; HALFMAN, R.L. Aeroelasticity. 1.ed. New York: Addinson-Wesley Publishing Co., 1955.

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